segunda-feira, 13 de abril de 2009

Vida real em 3 capítulos | entrevista ao site idança

Vida real X Ficção
Entrevista com Dani Lima / idança

Performance-espetáculo-instalação. O mais recente projeto da Cia. Dani Lima, Vida Real em 3 Capítulos, está em cartaz no Conjunto Cultural da Caixa - Teatro Nelson Rodrigues, no Rio de Janeiro, até o dia 9 de julho. A estréia do Capítulo 1 (a performance Estratégia nº 1: entre) foi em junho, no Alkantara Festival, em Lisboa. Entre uma troca de fralda da pequenina Mia e checadas na produção, a coreógrafa Dani Lima conversou com o idanca.net.


Como surgiu a idéia do projeto Vida Real em 3 Capítulos?
Surgiu no final de 2004, quando fui convidada a fazer uma participação num projeto que integrava o Panorama Festival (o Encontros Imediatos 2005-2006*, em parceira com o Alkantara Festival, de Portugal). A Cláudia Müller, coreógrafa e bailarina carioca, partiu de uma frase do artista plástico brasileiro Leonílson que dizia:
“tudo que você quiser, o que você desejar, estou aqui para servi-lo” que pretendia questionar a relação de o artista, o performer servir ao espectador, fazendo aquilo para seduzi-lo. Cláudia queria discutir isso e chamou vários artistas, entre eles eu, para criar uma cena de 5 minutos. Seria num hospital abandonado e cada um teria um quarto e trabalharia nesse local, com um espectador de cada vez. Então comecei a desenvolver o que hoje é a performance Estratégia nº1: entre. Ali foi só uma experiência. Segui desenvolvendo. Fiz uma residência de um mês em Praga, na República Tcheca, onde a apresentei como trabalho em processo no festival 4 Days In Motion, e finalmente o trabalho integrou o projeto Encontros Imediatos e estréia agora.

É mais fácil ou mais difícil quando se tem uma platéia tão “individual”?

Não sei dizer se é mais fácil ou mais difícil. A relação é bem diferente. Não só porque é um espectador, mas também porque não é um show. Não é o caso. Esta performance não é exatamente uma apresentação para alguém, é um encontro. A performance discute um lugar de intimidade, muito privado. São duas pessoas que produzem uma experiência sensível que coloca questões como identidade, o quanto a minha é estruturada a partir do encontro com alguém, numa relação muito pessoal.


E Estratégia nº 1: entre foi feita em colaboração com Sodja Lotker e Marcela Levi, não é?
A Sodja Lotker apareceu justamente para o projeto Encontros Imediatos. Ela é dramaturga. Conheci ela em Praga e a chamei. No segundo momento do projeto (que tem três momentos: Lisboa-Rio-Lisboa), aqui no Rio, ela não pôde vir. Precisava de alguém para trabalhar comigo, então chamei a Marcela Levi. Então ficamos nós três trabalhando.


E o resultado final? O público respondeu às expectativas?
Foi super positivo. Foi super legal. Fizemos muitas apresentações. Foi cansativo, mas foi muito interessante porque não há só uma resposta. Cada pessoa é uma pessoa. Cada encontro é um encontro. Tem encontros bons, encontros ruins, encontros emocionantes, desagradáveis…


Já o Capítulo 2 – Manual de Instruções tem uma abertura maior de participação dos bailarinos, inclusive no figurino (criado por eles próprios, a partir de características de cada um…)

No Capítulo 2 eu não estou em cena. São cinco bailarinos que são criadores também. O trabalho foi todo desenvolvido em colaboração com eles, todos somos autores dessa peça. É um pouco um passeio pelas identidades deles, mas a partir de um outro lugar. Um lugar mais social. Essa parte traz as mesmas questões da performance, mas numa esfera pública, social. Os papéis sociais estão em jogo. O papel enquanto bailarino, enquanto brasileiro, enquanto pertencente a um grupo, seja de dança, uma nação, uma classe social ou um segmento de gênero.

E o nome? Como surgiu?
…A partir de regras e instruções, porque nos demos conta do quanto regras e instruções não falam diretamente de identidade, mas expressam todo um sistema cultural que tem um pensamento específico, ou que se expressa de um jeito específico. Você está revelando no jeito de propor, de dar uma instrução, todo um sistema de pensamento que compõe um contexto cultural em que se está inserido.

O Capítulo 3 – Eu é um outro já é uma instalação, renovada a cada dia. Por que este formato?

O projeto como um todo discute a relação vida real x ficção, um pouco colocando a pergunta: “existe vida real?”. A idéia é trabalhar a partir de registros que foram deixados durante a performance – fotografias, escritos, desenhos -, e durante o processo de criação do Capítulo 2. Trabalhamos com muitos objetos, então tem uma série de materiais que foram usados e que vão gerar uma instalação. Se o espetáculo é uma coisa tão efêmera, que acontece e acaba, e fica só na memória de quem estava ali, como isso é então trazido para uma idéia de permanência? A instalação pretende brincar com isso. É pensar a questão da efemeridade do espetáculo e a permanência do objeto, as coisas que passam e as coisas que ficam. E tudo a partir da experiência de quem viveu. Ao ver a instalação, a realidade na sua cabeça é construída a partir das ficções das experiências dos outros.


Como a questão da identidade, que tanto é abordada nos trabalhos da companhia, se relaciona com o desenvolvimento do que você chama de uma poética do corpo cotidiano?
O que eu chamo de poética do corpo cotidiano é trabalhar em termos de pesquisa de movimento e áreas de interesse em relação às questões do dia-a-dia da gente. Não são grandes questões, nem questões épicas ou filosóficas. Estamos sempre procurando como gerar movimentos não que fujam do padrão, mas me interessa observar como existe uma poética na vida cotidiana que a gente deixa de perceber… e isso também é dança. A questão da identidade entra aí e está em todos os meus trabalhos, pois me intriga. É uma questão do mundo, e que deixou – na segunda metade do século 20 pra cá – de ser um conceito fixo, uma idéia de algo estruturado. Começamos a ver a identidade como uma construção, que se forma a cada encontro. Não é estática como, aliás, todos os conceitos.


*Encontros Imediatos é um projeto realizado em parceria entre Alkantara (Lisboa) e Panorama Festival, onde coreógrafos do Rio e Lisboa colaboram com artistas de outras culturas em um projeto de residências em três fases (Lisboa – Rio – Lisboa).

Publicado no site idança em 23/06/2006

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