quarta-feira, 1 de abril de 2009

Falam as partes do todo? / Silvia Soter

Em busca do movimento do corpo
Silvia Soter / Segundo Caderno


Não é por acaso que o título do último trabalho da Cia de Dança Dani Lima, em cartaz no Espaço Sérgio Porto até o próximo domingo, se organiza como uma pergunta . “Falam as partes do todo?” tem o cuidado de não ser uma afirmação para poder abrir a cada espectador uma possibilidade de reflexão, uma experiência interessante e delicada, alimentada pela dança, pelas obras da artista plástica Tatiana Grinberg e pela ambientação sonora de Felipe Rocha.

“Falam as partes do todo?” não é exatamente um espetáculo. O que talvez seja inesperado para o público que tem acompanhado a trajetória de Dani Lima, ex-integrante da Intrépida Trupe. Até então, o nome da coreógrafa esteve associado à dança aérea com cores do pop e ao universo feminino, suas marcas mais fortes. Se não é um espetáculo, também não é um work in progress no sentido de apresentar ao público o processo no lugar do resultado. O olhar do público é central nesse trabalho de Dani Lima. Na maioria das vezes, quando é dada ao espectador a possibilidade de acompanhar o processo de criação de uma obra, esse espectador tem a certeza de que é generosamente recebido num espaço do qual não faz parte. Ele é voyeur da intimidade do artista. Parte do interesse de conhecer as entranhas da criação se dá exatamente pelo fato de que aquele momento é único, íntimo e fechado a estranhos. Mas o que acontece em “Falam as partes do todo?” é de outra ordem.

O espectador não é de fato voyeur ou intruso. É a ele que a pergunta se destina já que se trata de investigar a dança a partir da recepção, daquilo que cada espectador pode (ou não) captar. Sem o espectador, “Falam as partes do todo?” não existiria.

O encontro entre os trabalhos e as inquietações de Dani Lima e de Tatiana Grinberg resultou num produto envolvente. A contribuição de Felipe Rocha é também fundamental para criar o espaço sonoro, visual e, às vezes, tátil, em que o espectador é mergulhado, sendo obrigado a se deslocar para escolher o que acompanhar, ainda assim sem dar conta de apreender o todo.

Os objetos construídos por Tatiana Grinberg serviram, visivelmente, como o elemento detonador de toda reflexão da peça, ganhando correspondência na dança que só é vista parcialmente e na música que se espalha, aos pedaços, pelo espaço. No entanto, o trabalho da artista plástica está tão presente que em alguns momentos o ressurgimento das peças se faz redundante.

Em “Falam as partes do todo?”, Dani Lima se afasta de suas referências anteriores para se aproximar de uma dança que se faz no corpo, buscando no movimento os caminhos para sua idéias, o que revela o amadurecimento da linguagem coreográfica dessa competente companhia.

Publicado no jornal O Globo em 30/08/2003

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