quarta-feira, 1 de abril de 2009

Falam as partes do todo? / Roberto Pereira

Diálogo entre arte e ciências: Dani Lima cria método com nova coreografia
Roberto Pereira / Caderno B


Para a ciência, tão importante quanto o resultado de uma descoberta, é o seu processo de investigação: um bom método de pesquisa pode ser sempre usado novamente, para outras possíveis descobertas. A coreógrafa e bailarina carioca Dani Lima, em seu novo trabalho Falam as partes do todo?, que teve sua estréia nesta última sexta-feira no Espaço Cultural Sergio Porto, parece transportar essa idéia para um outro lugar que não apenas o da descoberta, mas também o da criação. O processo de investigação ao qual Dani e seus bailarinos se dedicaram nesses últimos tempos aparece em forma de espetáculo, forma que é apenas uma dentre tantas possíveis para um pensamento de dança em plena atividade. A generosidade com que o processo é desvelado aos olhos do público, além de mostrar sem receios suas fontes, mostra-se corajosamente como um método que pode, muitas vezes, ser reutilizado. Por ela mesma, ou por tantos outros criadores.

Pensando na relação entre o todo e as partes, Dani Lima elege alguns procedimentos cênicos que ajudam a pensar que, nas partes de qualquer organismo, estão as informações do todo. Para a tradução dessa idéia em dança, o diálogo com as esculturas/instalações da artista plástica Tatiana Grinberg parece ter sido a chave para outros tantos diálogos que aparecem em cena. A relação sinuosa entre espaço e tempo ali sugerida trafega na subversão de perspectivas, implodidas em sons advindos de diversas partes do teatro, em potências também diversas. Impossível falar em trilha sonora e cenário: existem apenas (e sobretudo) continuações dos corpos que ali dançam. Uma dança acontece entre o público e não para ele, apenas.

Um possível mapa da investigação que aqui aparece em forma de espetáculo pode ser traçado, para quem acompanha os trabalhos da coreógrafa: a residência do coreógrafo alemão Thomas Lehmen, no último Panorama RioArte de Dança, a obra de Lia Rodrigues, que Dani se dedica a estudar em sua pesquisa de mestrado, a curiosidade sobre a dança pós-moderna americana, entre tantas outras informações. Mas levando em conta a falibilidade de todo mapa, mais instigante parece ser prestar atenção em como essa investigação é partilhada por seus bailarinos, tão jovens e vigorosos. As idéias inquietas de Dani parecem encontrar abrigo sobretudo na qualidade e frescor da dança de Monica Burity, que desfila filigranas de pensamentos em seus movimentos.

Para Dani Lima, "viver sem certezas é viver em movimento constante de reaprendizagem". Sua generosidade e coragem em mostrar isso, faz de seu processo, sua criação. E faz dialogar sem clichês arte e ciência.

Publicado no Jornal do Brasil em 29/08/2003

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